Rituais funerários e comensalidade no Bronze do Sudoeste da PenÃnsula Ibérica: novos dados a partir de uma intervenção arqueológica no sÃtio da Torre Velha 3 (Serpa)
Resumo
Recentes intervenções arqueológicas realizadas pela Palimpsesto – Estudo e Preservação do PatrimónioCultural Lda. em Torre Velha 3 (Serpa), no âmbito do projecto de Minimização de Impactes decorrentesda Construção da Barragem da Laje, da responsabilidade da EDIA, resultaram na identificação de umimportante conjunto funerário da Idade do Bronze. Deste universo, destaca-se um tipo de sepultura, quedesignámos por hipogeu, constituÃda por um átrio de planta maioritariamente quadrangular ou rectangularque antecede uma câmara escavada no subsolo.O ritual funerário documentado nestes hipogeus é, em muitos aspectos, semelhante ao praticado nas cistasda Idade do Bronze do Sudoeste da PenÃnsula Ibérica, nomeadamente no que se refere ao espólio ofertadoe à preferência pela posição fetal para a realização das inumações. Relativamente à s dádivas funerárias,verificou-se que, para além dos recipientes cerâmicos, dos elementos de adorno e dos materiais metálicos,fora depositado junto aos defuntos uma oferenda cárnea constituÃda maioritariamente pela extremidadeda pata dianteira de bovinos.A arquitectura e os ritos fúnebres patentes nos hipogeus de Torre Velha 3 não são propriamente inéditosna área do Bronze do Sudoeste, sendo de certo modo, prenunciados pelas caracterÃsticas da sepultura deBelmeque. Aquando da sua descoberta no inicio dos anos 70 do século XX, a excepcional riqueza doespólio, a singularidade da câmara sepulcral em forma de pequena gruta artificial e as caracterÃsticas dasduas inumações ai realizadas, foram sendo interpretadas como elementos exógenos que testemunhariam aexistência de contactos com o “mundo†de El Argar, no Sudeste peninsular (Soares 1994). Este carácterde unicidade, pelo menos ao nÃvel da morfologia das sepulturas e da presença de práticas de comensalidadenos rituais funerários, tem-se vindo a alterar com a identificação de outros hipogeus da Idade do Bronzeem vários locais situados nas proximidades de Belmeque, como o já referido conjunto de hipogeus deTorre Velha 3, ou Outeiro Alto 2 (Valera e Filipe 2010).Por outro lado, verifica-se que a possibilidade de contactos entre a área geográfica do Bronze do Sudoestee a de El Argar, encontra argumentos adicionais nos contextos de Torre Velha 3 através da identificação, noespólio funerário de um hipogeu, de uma taça de pé, forma cerâmica excêntrica em relação ao reportóriocerâmico tido como clássico do Bronze do Sudoeste. No entanto, escasseiam ainda os elementos quepossibilitem uma caracterização da natureza destes contactos, tanto mais que os contextos actualmenteconhecidos e publicados do Bronze do Sudoeste, apesar da diversidade morfológica dos contentoresfunerários, mantém uma forte individualidade bem patente, por exemplo, nas tipologias cerâmicas.Pretende-se, ainda, com este trabalho, contribuir para que a comensalidade seja encarada enquanto componentefundamental do cerimonial fúnebre destas sociedades, pois cremos que, através da congregaçãono mesmo cenário, de vivos e mortos, estas práticas padronizadas contribuiriam para o reforço dos laçosfamiliares. A importância do núcleo familiar aparece também plasmada noutros aspectos do registo funerário,como a deposição sucessiva ou simultânea de dois ou mais indivÃduos na mesma sepultura, ouna existência de reduções associadas a inumações. O papel desempenhado pelas relações familiares seriafulcral para a manutenção do sentido de comunidade concebida enquanto entidade estruturada e materializadanuma rede de povoamento dedicada à exploração dos recursos naturais da penelanÃcie alentejana.
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